sábado, 14 de fevereiro de 2009

Valores

Saio à rua , olho à volta … 
Inspiro … 
 … O cheiro a terra húmida invade-me as narinas , como orvalho numa madrugada de inverno…  
Escuto …
 … pássaros “cantam” em uníssono , afinados como a mais harmoniosa das harpas … 
 … ponho os óculos de sol com um gesto firme, acendo um cigarro e abro o portão, expiro e observo o fumo dissipar-se por entre raios de sol! agacho-me, aperto os all star e sigo o meu caminho , digo bom dia ,a este e àquele mas não paro , prossigo ! Bolas … esqueci-me da chave, mas não volto atrás. Viro a esquina , putos jogam à bola, sorriu e recordo os tempos em que acordava e sai-a de casa para dar pontapés na bola com os amigos e só voltava de noite, transpirado, sujo e com fome … Guardo essa recordação com todo o carinho ,fechada a 7 chaves dentro do meu coração! Sigo em frente, atravesso a estrada sem olhar para os lados num acto não de rebeldia , mas sim de estupidez , pelo facto de já não querer saber …desço as escadas , no corrimão vejo putos deslizarem, como folhas levadas pelo vento, chegam ao fim , emitem gargalhadas , correm até ao cimo e recomeçam .. Quem os pode censurar ? quem já não o fez ? sei o que eles estão a sentir , porque eu próprio já o senti , e mais uma vez recordo com um sorriso momentos que tive idênticos aquele, passo e faço uma festinha na cabeça de um puto , num acto carinhoso, como quem diz “Aproveita, não deixes que te tirem o que de mais precioso tens , a inocência da infância , a mais preciosa dádiva” , prossigo o meu caminho, viro mais uma esquina e passo pelo mercado , olho de relance e oiço varinas com as suas vozes possantes , gritando em busca de fregueses! Sinto o cheiro a peixe , e recordo , como detestava na minha infância ali entrar com o pai ou mãe para comprar o peixe do mais fresco, e que bem me sabia aquele peixe acabado de pescar , grelhado ou cozido, tinha um sabor especial só por lá ter estado , com meus pais! esboço outro sorriso, mais uma recordação que trago dentro do meu peito. Desço um outro lance de escadas, paro no multibanco e vejo o saldo … Raios! Não tenho dinheiro, mas não fico triste nem tão pouco me aborrece , na vida , nem tudo são notas , nem tudo são saldos bancários e meus valores , não são dinheiro. Sigo em frente e desço até ao jardim, sinto o cheiro a relva cortada invadir me os pulmões , fico leve , passo o portão, viro e desço até junto do lago onde paro para contemplar os peixes , inocentes , ignorantes , nadam , mas estão felizes no seu mundo , e recordo … as tardes passadas no meio do rio , rodeados de agua e invadidos pelo cheiro a pinheiro , sentados dentro de um barco , a ver o meu tio pescar , e eu próprio a tentar , sem sucesso … tardes a passear de barco com primos, irmão ou amigos , o chapinhar na agua , as gargalhadas, toda a diversão , e ao fim da tarde a sopa da avó , quente e única como só a dela , que devorava em três tempos , com a pressa de sair para a rua e de ir andar para o meio do mato com os amigos , de ver as estrelas na escuridão da noite, e que imensas eram !! a lua fornecia a única luz que nos guiava por entre acácias e pinheiros , e juntos , com medo e excitação , olhávamos no escuro, expectantes , tão medrosos mas tão corajosos ao mesmo tempo, percorríamos Kms só pelo espírito de aventura… acordo, passaram 10 minutos desde que me perdi em mais memorias , sorri o tempo todo, a olhar para os peixes , perdido em sentimentos. . Levanto – me e subo , passo o portão e viro à esquerda … sigo em frente pelo passeio e olho a minha volta , tudo esta diferente, já não vivo num mundo inocente e bondoso, mas não me afecta… olho o alcatrão e vejo marcas brancas , paro e observo , subitamente recordo uma vez mais , momentos felizes da minha infância , em que eu e os putos da minha rua , e das ruas à volta , íamos para o meio do mato, por entre cactos e silvas, em busca de pedaços de tinta seca , que na altura pensávamos ser giz , para ver quem encontrava o pedaço melhor , para fazermos uma cirumba no alcatrão, ou uma qualquer macaca , e juntos , passávamos manhas , tardes e noites correndo, gritando, pulando , rindo…crianças inocentes desfrutando do doce sabor a mel da infância…oiço um grito e desperto, estou parado a olhar para o alcatrão, ajeito os óculos e prossigo caminho! Ando, mas sem rumo, apenas ando para sentir o prazer do facto de poder andar, ando porque amanha posso não o poder saborear …viro à direita e observo a avenida , comprida e movimentada , vou em frente , envolto nos meus pensamentos , perdido em memorias e sorrisos quando avisto uma loja, e curioso espreito!...
…- Uauuu, um diablo , já não via um aos anos, como era bom , perder horas a tentar fazer um “elevador” ou a “volta ao mundo”, lembro-me de passar dias sem comer na escola , para poupar , porque tinha visto aquele diablo lindo na loja da Dª Alice, que acabei por comprar, ohhh que feliz eu fui , andava com ele para todo o lado ,numa competição cerrada para ver quem fazia o melhor truque, ver quem mandava mais alto, como sabia bem , como nos mantinha longe de coisas más que existem num bairro social… solto uma gargalhada , meus olhos brilham e o dono da loja olha para mim como quem diz “que maluco” , mas não me importo, fui feliz e sorrio por isso . sigo em frente , passo a loja, ajeito a gola do casaco enquanto uma suave brisa toca o meu rosto , suave como pétala de rosa, inocente como uma criança . que bem sabe , é vida no estado mais puro e perfeito. continuo a andar , paro perto de um descampado outrora repleto de crianças a jogar à bola ou ao berlinde, eu uma delas , e vejo que esta vazio , são poucas as crianças que ali s encontram ,e apercebo me que as que ali se estão , são apenas as que são demasiados pobres para poderem ter um computador e estarem em casa, como a maioria das crianças de hoje em dia ,estas são as que infelizmente passam dificuldades , estão sujos e com fome ! aproximo-me , apalpo os bolsos e tiro os trocos que me restam , tenho 3 euros ! que se dane , hoje não fumo, dou o dinheiro aos putos e digo “toma, para comerem um bolo ou beberem um sumo” ,viro costas e continuo a andar, porque o fiz? Não por pena , mas sim porque a minha atitude talvez lhes transmita algum valor , e se calhar , um dia mais tarde em vez de tirar vão ter a capacidade de dar, como eu dei a eles…não me sinto boa pessoa por o ter feito, mas sinto me correcto , pois tomei a atitude que me pareceu certa. Viro outra esquina e deparo me com uma pessoa , que andou comigo ao colo, que teve tudo e agora não tem nada , andar aos caixotes do lixo , passo e digo Boa tarde, não obtenho resposta e porque? Talvez seja o orgulho ou a vergonha, não censuro ,mas também não me é possível compreender pelo simples facto de nunca ter estado numa posição como aquela…não deixo que isso me afecte e sigo o meu caminho, viro à direita , subo um lance de escadas e atravesso a estrada, arranco uma folha de uma arvore e com os meus dedos sinto a textura leve e única , criada pela natureza , fico fascinado pela existência de algo tão perfeito , que passa despercebido pelo facto de ser comum , e de ninguém reparar mais na beleza destes pormenores. Paro, sento me num muro e puxo de outro cigarro. Passa alguém de bicicleta, levo fumo aos pulmões, expiro e deixo fluir numa baforada negra, perco me de novo em pensamentos , recordo me das tarde passadas , na chamada motocross, uma espécie de mini pista de motas em terra batida , onde eu e os meus amigos perdíamos tardes a andar de bicicleta, a ver quem dava o maior salto ou fazia melhor tempo, onde nos espalhava-mos , magoava-mos, mas nunca desistíamos ..que doces eram esses momentos ! mais uma recordação. Prossigo a minha caminhada , decido voltar a casa , pesam me os pés , o meu estômago ronca pedindo por alimento … … … caminho … caminho … estou em casa, não tenho chave, mas felizmente deixei a janela aberta, por onde trepo! ... tiro os óculos , penduro o casaco e mando-me para cima da cama , enterro – me no colchão e ao olhar para a parede vejo um quadro, feito na minha 4ª classe, com um dos meus grandes amigos de infância ,uma mota dos power rangers , com uma citação por baixo que diz o seguinte:”escola é templo de amor, seara de luz e paixão, não há tesouro maior que o tesouro da instrução” … ainda hoje me lembro, ainda hoje recordo, ainda hoje leio livros , vejo documentários, e lembro me que o maior tesouro , é ser uma pessoa instruída , é falar e saber o que dizer . fecho os olhos , feliz por ter valores e ideais que nunca vou perder. 

Podes ser rico , podes ser popular, podes ser o mais lindo ou ter o melhor visual, se não tiveres valores, não és ninguém. Por : Ricardo Almeida

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