sábado, 7 de março de 2009

Caminho

Numa tarde de Outono , sentado num banco de jardim, fustigado pelo vento, sinto leves gotas de chuva tocarem meu rosto , vejo folhas castanhas cobrirem bancos e jardins e ali estou eu! Não penso, não falo e não me interesso. À minha frente estende-se uma longa avenida repleta de pessoas , cheia de vida , mas ali estou eu, morto num banco de jardim sem ninguém dar por mim. Subitamente levanto-me e começo a andar em frente , de mãos nos bolsos e cabeça baixa, para onde vou? Lugar nenhum , o que vou fazer? O momento o dirá…
Distraído sigo o meu caminho, não reparo em velhos ou em novos , não ligo a crianças ou animais , eu sou a apatia eu sou o desinteresse, todo eu represento o vazio .
Chove com força, rajadas de vento abanam arvores , arrancam flores , mas ali estou eu firme como uma rocha , caminhando para lugar algum, em busca do que ainda não sei, cego por sentimentos , coberto de amargura , mas num momento tudo iria mudar… 
Choco com alguém , tombo para o lado. Sem saber o que me aconteceu levanto me e procuro a pessoa com quem choquei, ali está ela , a meu lado sentada no chão! Estendo a mão, olho-a nos olhos e é então que uma onda de calor invade o meu peito, os meus lábios esboçam um sorriso. Estou petrificado, vejo os mais belos olhos azuis , quais pérolas azuis de mar, o seu perfume invade me as narinas e fustiga-o meu peito . Meu cérebro vibra , meu coração pula de excitação. Qual deusa , qual Afrodite … Palavras não fluem, gestos não faço , apenas contemplo aquele doce olhar , segundos parecem horas , horas parecem dias … Quem és tu? O que fazes aqui? Duas perguntas que permanecem na minha cabeça.
De cabelos longos e lisos ondulando ao vento, de sorriso caloroso e humilde e com passos suaves e meigos , como se da Cinderela se trata-se , ela parte , com a face rosada e um olhar tímido segue o seu caminho… estupefacto fico ali, parado, lisonjeado por ter tido tão bela visão, eufórico, entusiasmado enquanto penso para mim, será que a vou ver de novo? Não o sei, mas o seu olhar aliado ao sorriso perfeito invade o meu peito, preenche o meu pensamento … sigo o meu caminho, pensando em tal princesa. nada mais me importa agora que tive a mais bela visão que se pode ter , seu cheiro a rosa permanece nas minhas narinas , desejo senti-lo sempre, para me lembrar , ou talvez deseje esquece-lo , para me poder lembrar.
 continuo aqui, esperando, sonhando, desejando.

Eu

Cabelo rapado, olhos negros, vazios e sem vida, cara pálida e esquelética , lábios secos, serrados …
Pescoço delgado , repleto de negras veias , traqueia saliente …
Braços compridos , delgados , ossudos , mãos largas com dedos finos …
Tronco largo , de ossos salientes , magro e branco como neve , suportado por pernas magras, tortas e sem jeito…

Olho-me ao espelho e que vejo eu? Um alguém que não eu , uma pessoa que eu desconhecia . Toco o espelho , a imagem desvanece … Boquiaberto toco-me , mas não me sinto . Ando em frente e trespasso o espelho, olho para trás, tudo esta como estava . O que sou eu?

Fundo do Poço

Olho para cima , tudo o que vejo é uma ténue luz ! Rodeado de paredes frias e húmidas , sento-me , envolvo as pernas com os braços e suspiro. Estou gelado, sujo e sinto medo , não por aqui estar ,mas por estar sozinho! Peço ajuda mas ninguém ouve, quem ouve , muda de rumo , ninguém parece se importar . Sinto um formigueiro no corpo, dentro do meu peito, a cada batida do meu coração sinto um ardor , estou sozinho , perdido , esquecido . 
Reúno as poucas forças que me restam e trepo, esfolo os dedos , os joelhos , arfo a morrer de cansaço , mas continuo! Tenho de sair daqui , tenho de me encontrar e seguir o meu caminho … e quando penso que estou a chegar… a conseguir… escorrego e volto ao fundo . começa a chover , e o buraco onde estou enche de água, entro em pânico , não sei mais que fazer . Desisto e rendo-me aos factos . A minha existência não passou de uma breve e fútil passagem pelo mundo , fui mártir de mim próprio, fui fogo sem chama , não passei de uma brasa rapidamente apagada . Choro , tremo, em desespero tendo tudo , mas é inevitável a descida ao fundo do poço. A esperança permanece , consumindo as minhas forças , matando-me aos poucos . Estou ali, no fundo do poço.  
Fecho os olhos , a chuva para , olho em volta e tudo o que vejo continua a ser o escuro, tudo o que sinto continua a ser o frio e o ardor. Estou alagado até ao peito ,não sinto o corpo, desejo que me levem deste mundo , mas ninguém me ouve , ninguém quer saber , resta me continuar a sofrer. Aqui permaneço, minutos, horas , dias e meses . 
Penso em quem sou eu ? Qual o objectivo da minha presença aqui? E tudo o que oiço são vozes no vazio, tudo o que sinto é a dor e o mau karma que se apoderou de mim . 

…Acordo , suspiro e esboço um sorriso, não passou tudo de um sonho. Estou feliz ,até que a realidade se apodera de mim, olho em volta e ali continuo , no fundo do poço, esquecido, ignorado , perdido… Levo as mãos ao peito, não sinto o meu coração ,levo as mãos à cara , não sinto o calor e dentro da minha cabeça uma oiço uma voz que me diz que estou vazio, que não sou ninguém … Apenas uma alma que veio ao mundo sem um propósito, sem um objectivo .  
Olho para o céu, chamo por um Deus , um alguém, mas ninguém ouve … conformo-me , o resto dos meus dias são no fundo do poço.